Estava escrevendo, sentiu a orelha pesada.
Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite, estava fazendo hora extra.
Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro, 35 anos, ganhava pouco, reorçava
com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu que as orelhas cresciam.
Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns dez centímetros. Eram moles, como de
cachorros. Correu ao banheiro. As orelhas estavam na altura do ombro e continuavam
crescendo. Ficou só olhando. Elas cresciam, chegavam à cintura. Finas,
compridas, como fitas de carne, enrugadas. Procurou uma tesoura, ia cortar a
orelha, não importava que doesse. Mas não encontrou, as gavetas das moças
estavam fechadas. O armário de material também. O melhor era correr para a
pensão, se fechar antes que não pudesse mais andar na rua. Se tivesse um amigo,
ou namorado, iria mostrar o que estava acontecendo. Mas o escriturário não
conhecia ninguém a não ser os colegas de escritório. Colegas, não amigos. Ele
abriu a camisa, enfiou as orelhas para dentro. Enrolou uma toalha na cabeça,
como se estivesse machucado.
Quando chegou na pensão, a orelha saia pela
perna da calça. O escriturário tirou a roupa. Deitou-se, louco para dormir e
esquecer. E se fosse ao médico? Um otorrinolaringologista. A esta hora da
noite? Olhava o forro branco. Incapaz de pensar, dormiu de desespero.
Ao acordar sentiu que sua orelha estava
mais leve, com medo de chegar na frente do espelho e perceber que era apenas ilusão,
levou as mãos devagar até a orelha.
Ao encostar
notou que elas estavam pequeninas novamente, mas o que aconteceu na noite
passada?
Essa pergunta
não saía mais de sua cabeça. E se acontecesse novamente, o que iria fazer pra
evitar?!
Seguiu para o
seu trabalho, sempre com as mãos na orelha, desconfiado de que qualquer momento
elas cresceriam absurdamente rápido.
O dia passou e
ele continuou sempre com as mãos na orelha para ver se tudo estava do seu
devido tamanho. Chegou a noite, todos foram embora e ele ficou fazendo sua
habitual hora extra.
Concentrado
como nunca, sentiu novamente o peso na orelha e quando foi ao banheiro, notou
que novamente elas estavam crescendo. Notou que isso só acontecia à noite, mas
por quê?!
Ao passar os
dias, assustado com todos os últimos acontecimentos, ele procurou um médico e
fez diversos exames para saber o que estava acontecendo.
O médico
chegou a conclusão que os remédios faixa-preta, que ele estava tomando no final
do dia, estavam deixando-o com alucinações fortes. Trocando os remédios e
mantendo-se de repouso alguns dias o deixou muito mais calmo, tranquilo, não
precisando mais tomar remédios fortes, assim não levou mais sustos com sua
“enorme orelha”
Os melhores contos de Ignácio de Loyola Brandão
Adaptação: Michelle S. da Silveira
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