segunda-feira, 7 de maio de 2012



A vida de um homem normal
Uma noite, voltando de metro para casa, como fazia cinco vezes por semana, onze meses por ano ele ouviu uma voz. Estava exausto, com o nó da gravata solto no pescoço o colarinho desabotoado, a cabeça jogada para trás o walkman a todo o volume e os fones enterrados nos ouvidos. De repente antes mesmo de poder perceber a interrupção, a música que vinha ouvindo cessou sem explicações e, ao cabo de um breve silêncio, no lugar dela surgiu uma voz que não sabia nem como nem de quem nem de onde.
E essa voz dizia:
-Quando você vai perceber que eu não estou aqui só para servir como um ‘enfeite’ de parede?
Ao ouvir isso ele abriu os olhos rapidamente e viu passar na frente dele uma menina usando muletas, parafusos na perna e um sorriso no rosto, como aquilo fazia sentido? Ele se lembrou então de quando era pequeno e quebrou o braço, da dor, do médico, do gesso, das assinaturas, pensou no quanto fez a diferença a sua mãe que na época estava em depressão, por conta da separação, ter arranjado forças que ele não sabia de onde para o ajudar.
Nesse instante, veio-lhe à mente a filha, que naquele mês não vinha ganhando muita atenção do pai por conta do trabalho, mas que aparecia para dar um abraço exatamente na hora certa.
         Lembrou-se de quando se salvou de pegar o voo em que o avião, minutos depois da decolagem, caiu sem sobreviventes. Nesse instante abriu um sorriso bem grande, não conseguiu, por mais que quisesse segurar.
Nisso, ele olhou para o lado e viu uma velhinha rezando, agora tudo fazia sentido. E uma lágrima desceu por seu rosto como em uma ladeira sem fim.
            Conto de Bernardo Carvalho.In:Contos
Adaptação: Thaís Bauer Gomes  

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